Groenlândia

A descoberta comercial de petróleo na Baía de Disko e as disputas políticas daí advindas, tema central de Borgen: o Reino, o Poder e a Glória – sucesso mundial da Netflix, são ficcionais, mas a abundância de recursos minerais da região, petróleo inclusive, a cobiça e os conflitos de interesses internacionais, sua importância estratégica e os anseios de plena independência dos groenlandeses são muito reais. Quando vi a série de TV, ir a Groenlândia era um entre muitos outros itens da minha Lista de Desejos; não imaginava que menos de um ano depois surgiria uma oportunidade e eu estaria viajando à Groenlândia e visitando:

  • Prince Christian Sound – hidrovia natural no extremo sul da Groenlândia
  • Ilulissat, Baía de Disko – principal destino turístico por causa do Fiorde de Gelo
  • Nuuk – maior cidade e capital da Groenlândia
  • Qaqortoq – no rastro da antiga cultura Inuit e dos Vikings

A Groenlândia, Kalaallit Nunaat em groenlandês, não é tão grande como representada nos mapa-múndi, mas é muito grande. É a maior ilha do planeta, quase um continente; com seus quase 2,2 milhões de quilômetros quadrados, é do tamanho das regiões Centro-Oeste e Sul juntas, cerca de um quarto da área total do Brasil. O terreno é acidentado, com altas montanhas e aproximadamente 80% da sua superfície é coberta por um manto de gelo permanente com uma espessura média maior que 2 km. O litoral com seus quase 45 mil quilômetros, mais de 5 vezes a extensão do litoral brasileiro, é majoritariamente rochoso , com falésias e recortado por fiordes, razão de sua impressionante extensão. A faixa litorânea é a única   região   livre  do  gelo   permanente    e

tem clima de tundra, enquanto no restante o clima é polar glacial – clima de gelo perpétuo. Nesta faixa, que é a única região habitada, os invernos são longos e rigorosos e os verões são curtos e frios com a temperatura média não ultrapassando os 10°C; a vegetação é escassa e típica desse tipo de clima. A maior parte da Groenlândia está acima do Círculo Polar Ártico e experimenta os fenômenos da Noite Polar e do Dia Polar ou Sol da Meia-Noite, quando o sol, respectivamente, não nasce ou não se põe por mais de 24 horas consecutivas. A duração desses fenômenos aumenta com a latitude e pode chegar a até quase quatro meses no extremo norte da Groenlândia, o que certamente torna viver nessas latitudes durante o inverno, quando ocorre a Noite Polar, ainda mais difícil.

A faixa litorânea abriga, em pequenas cidades e povoados, os pouco mais de 55000 habitantes da Groenlândia, o que a torna a região de menor densidade demográfica do mundo, consequência do seu isolamento e do ambiente inóspito. Pouco menos de 90% da população são inuits e o restante, dinamarqueses, principalmente. A religião predominante é a luterana, resultado da colonização dinamarquesa. A moeda oficial é a coroa dinamarquesa (DKK), mas o idioma oficial, ao contrário do que se pensaria, não é o dinamarquês. Desde 2009, quando foi assinado o Ato de Autogoverno da Groenlândia, a única língua oficial é o groenlandês, falado por 85 a 90% da população. Há três dialetos: o groenlandês do oeste (Kalaallisut)tornado a língua oficial e de longe o mais usado por ser o da região mais habitada, o groenlandês do leste (Tunumiisut) e o do norte (Avanersuarmiutut). O dinamarquês tem o status de Língua Reconhecida, segunda língua, e é amplamente usado pela população; só não é falado entre os mais velhos nos povoados menores. O groenlandês, o dinamarquês e o inglês, também bastante falado, são de ensino obrigatório às crianças. A propósito, o índice da analfabetismo da Groenlândia é 0%.

Já há bastante tempo as línguas nativas de grupos étnicos marginalizados ou minoritários da Europa vem sendo resgatadas e promovidas como elemento fundamental na preservação da identidade desses povos. Há mais de 30 anos vi placas indicativas em basco em San Sebastián; mais tarde, placas de estrada em gaélico escocês no norte da Escócia, nas Highlands, placas em estações de trem em galês no País de Gales e outras. As placas eram bilíngues; em cima na língua nativa e abaixo em espanhol ou inglês, conforme o caso. Na época, achei interessante, curioso e pensei ter motivação turística – um tipo de atração turística cultural, especialmente no caso do gaélico escocês que é uma língua praticamente morta. Só anos depois, quando essa questão se tornou mais ampla e difundida, é que vim a entender a real razão daquelas placa bilíngues. Mas, em todos esses casos, até hoje, a língua nativa é, na melhor das hipóteses, reconhecida como uma segunda língua oficial e no caso do gaélico escocês nem isso. A Groenlândia ao tornar o groenlandês não apenas sua língua oficial, mas a única, se posicionou muito à frente nessa questão. Verdade que nesse caso há uma particularidade: quase 90% da população é nativa e essa é sua língua materna.

A bandeira da Groenlândia (Erfalasorput – "nossa bandeira"), simples e de desenho geométrico, simboliza muito bem a região. A faixa branca representa o manto de gelo que cobre 80% da superfície e a vermelha, o oceano. O semicírculo vermelho, o sol com a metade inferior afundada no oceano e o branco, os icebergs. As cores são as mesmas da bandeira do Reino da Dinamarca, representando a integração do país no reino. Desde 2016, no Dia Nacional da Groenlândia, 21 de junho – uma referência ao solstício de verão setentrional, a bandeira da Groenlândia substitui a da Dinamarca nos edifícios governamentais em todo o reino e, inclusive, em suas embaixadas ao redor do mundo. Isso é tão surpreendente, inusitado e pouco conhecido que incluí algumas referências no fim da postagem. Penso que as razões determinantes e o real significado dessa medida precisam ser analisados sob diferentes óticas, certamente conflitantes e até antagônicas, tendo em vista todos os interesses internacionais que cercam a Groenlândia e os anseios de independência de seu povo.

Geograficamente, a Groenlândia faz parte do continente americano, já que está assentada sobre a placa tectônica norte-americana, mas politicamente integra a Europa, como um dos países do Reino da Dinamarca, mas não é membro da União Europeia, nem pertence ao Espaço Schengen.

Curiosidade: A Groenlândia foi o primeiro país a deixar a União Europeia, em 1985, muito antes do Brexit, mas, claro, sem a repercussão midiática desse, por motivos óbvios. Atualmente a Groenlândia tem o status de estado associado, sendo um dos integrantes dos Países e Territórios Ultramarinos.

Esse status da Groenlândia leva a situações a que o turista precisa estar atento. Se for de uma nacionalidade para a qual não é exigido visto para entrar na Dinamarca, tudo bem, nenhum problema. Mas, se, ao contrário, precisar de visto para a Dinamarca, vai precisar também obter um visto para a Groenlândia; não bastará só o visto dinamarquês para entrar na Groenlândia.

Outro aspecto de uma viagem à Groenlândia que requer atenção é como chegar e como se deslocar lá. Só há voos regulares diretos a partir de Copenhagen, Dinamarca e de Reykjavik, Islândia, operados pela Greenland Air e pela Iceland Air; saindo do Brasil, há ainda a necessidade de fazer alguma outra conexão, porque não existem voos diretos para nenhuma dessas  duas cidades.  A única  alternativa ao  avião são os  navios de cruzeiro ou barcos  fretados,  já que a Groenlândia não tem nenhuma conexão por  ferry com a Islândia, Dinamarca, Canadá, ou qualquer outro país e, obviamente, não há estradas para lá, e nem lá. Devido a inexistência de estradas, o deslocamento entre as localidades é feito por ferries/barcos ou por helicóptero. Assim, para um turista, a logística de transporte para e na Groenlândia se torna bastante complexa e a opção de um cruzeiro passando por diferentes localidades, ainda que não seja a melhor por causa do pouco tempo em cada lugar, é a mais viável e, desde que não se trate de um cruzeiro de luxo, certamente a mais econômica.

Minha viagem à Groenlândia foi feita em um navio de cruzeiro e teve início em Reykjavik, Islândia, em 4 de agosto de 2023, terminando em Copenhagen, Dinamarca, quinze dias depois. No retorno da Groenlândia, o navio fez escala em Akureyri, norte da Islândia, e em Lerwick, Ilhas Shetland.

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Artigos e documentos legais sobre o uso das bandeiras da Groenlândia e das Ilhas Faroé  no lugar da bandeira da Dinamarca, nos dias nacionais respectivos desses países, em todo o reino.

3. Info Norden. Public holidays in Denmark.

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